quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

As alegrias da quimioterapia – Capítulo I

O meu tratamento de quimioterapia começou por 4 sessões da simpática conjugação Epirrubicina-Ciclofosfamida (EC para os amigos).

A Epirrubicina é comumente utilizada como tratamento no cancro de mama invasivo, especialmente quando já existem nódulos linfáticos afectados. Pertence ao grupo das antraciclinas (antibióticos produzidos por bactérias do género Streptomyces) e o seu modo de acção não é ainda totalmente compreendido. Sabe-se porém que este grupo de moléculas tem a capacidade de se ligar ao DNA, impedindo que as células concretizem a divisão celular.

Assim sendo, a epirrubicina vai impedir o tumor de crescer e de se espalhar para outros locais do organismo por um lado travando a divisão desenfreada que caracteriza as células cancerígenas e por outro induzindo a sua morte.

A epirrubicina caracteriza-se por uma cor alaranjada (a única parte gira da coisa é que ficamos a fazer xixi laranja fluorescente durante uns dois dias!) e em muitos sítios referem-se a ela como a quimioterapia vermelha.

A ciclofosfamida é usada frequentemente em combinação com a epirrubicina em tumores da mama com tendência a formar metástases. Tal como a epirrubucina a ciclofosfamida tem a capacidade de se ligar ao DNA das células, impedindo a cópia do DNA e a formação de novas proteínas e consequentemente, impedindo a divisão celular. Umas das diferenças entre estes agentes é a especificidade ou não para actuar em determinada fase da vida da célula. Enquanto a epirrubicina não tem uma fase específica  do ciclo celular para actuar (tanto tem acção quando as células estão em repouso e não se dividem mas também quando estão já em processo de divisão), a ciclofosfamida é mais específica e actua apenas enquanto as células estão na fase de repouso.

Tendo em conta que “a quimioterapia mata boas e más células, semelhantemente a uma bomba numa guerra”  (citando a Dra Fátima Cardoso em entrevista para o site Executiva), podemos também compreender porque é que estes citotóxicos provocam tantos efeitos secundários.

Estes agentes vão travar o crescimento e divisão de todas as células do organismo. Vão porém ter um maior efeito nas células que se multiplicam mais rapidamente. As células cancerígenas pagam pela sua gula e, ao consumirem mais rapidamente o que entra no nosso organismo, de modo a sustentar a sua divisão desenfreada, também sofrem mais com os efeitos dos químicos citotóxicos. Mas temos também no nosso organismo células saudáveis que necessitam de renovar-se e multiplicar com maior frequência, como é o caso das células dos folículos capilares, das células sanguíneas (principalmente quando na formação de novas células pela medula óssea) e das células da pele e das mucosas do sistema digestivo. São então estas as células saudáveis que mais vão ser afectadas pela quimioterapia. Os efeitos secundários mais comuns são as náuseas (porque o nosso corpo está a tentar rejeitar o agente nocivo que de repente apareceu), queda de cabelo, a depressão do sistema imunitário caracterizada pela diminuição de glóbulos brancos, a maior tendência para sangramento derivada da diminuição de plaquetas sanguíneas, a anemia devido a uma diminuição de glóbulos vermelhos, a agressão das mucosas da boca (mucosite) e do sistema digestivo, a sensibilidade da pele e as unhas negras e quebradiças.

Segundo as informações dadas pelas enfermeiras que me acompanham esta primeira fase da quimioterapia com EC seria a mais “dura” no que diz respeito a efeitos secundários (mais desenvolvimentos no próximo capítulo). Cada sessão teve um intervalo de 3 semanas entre ciclos de modo a que o corpo conseguisse recuperar do impacto e aguentasse mais uma dose.


Ainda perguntei se não havia dos saquinho que diziam "Gin Tónico" mas não me deram escolha...

Após a primeira sessão saí de lá como se nada fosse. Fiz a medicação para as náuseas toda certinha como me foi indicado (mesmo não tendo náuseas). No dia seguinte continuava fresca que nem uma alface! “Boa, vou levar isto com uma perna às costas!”, pensei eu. Ingenuidade de iniciante, claro!

Ao terceiro dia começaram a aparecer as náuseas que foram piorando com o passar dos dias. Desapareceu a vontade de comer, e até o cheiro das comida me deixava mal disposta. “Se for só isto cá me aguento!”. Ingenuidade!

Ao fim de uma semana começou a queda de cabelo, aquele que para mim foi o efeito secundário com menor impacto (mas isso também ficará para um texto totalmente dedicado à temática capilar). As unhas começaram também a mostrar sinais ficando mais escuras (embora em mim este efeito não tenha sido muito marcado)

E passado duas semanas é que a coisa começou a “doer”. Cansaço generalizado, dores no corpo semelhantes às que temos quando temos um daqueles febrões (mas felizmente sem nunca ter febre que seria indicação de alguma infecção oportunista) e continuação das náuseas agora já acompanhadas de vómitos. Para ajudar veio a obstipação daquelas mesmo à séria!

A mucosa da boca começou a ficar uma lástima, cheia de aftas gigantes e dolorosas que me tiravam a pouca vontade que ainda houvesse para comer alguma coisa. Para adicionar alguma emoção à coisa também a mucosa do esófago ficou afectada. Algo tão puro quanto a água provocava dores terríveis ao fazer o seu caminho da boca até ao estômago. Para controlar a mucosite e esofagite salvou-me a dica das enfermeiras de bochechar e beber um pouco de água com bicarbonato de sódio.

Comecei também a sentir aquilo a que se chama o “cérebro ou névoa de quimioterapia”. A capacidade de raciocínio ficou mais lenta, comecei e ter falhas de memória (daquelas de me esquecer para onde vou e o que ia fazer) e alguns momentos de tontice pura! A frase “explica-me como se eu fosse muito burra” passou a ter outro sentido!

Quando estava a sentir que estava a voltar ao normal: Pumbas, mais uma dose! O meu sistema imunitário andou sempre “rés-vés Campo de Ourique”. Os níveis de neutrófilos andavam baixos até ao último dia (a chamada neutropenia). Felizmente sempre recuperaram mesmo a tempo de não falhar nenhum tratamento e safei-me à época alta das gripes sem nenhum incidente relevante. Para ajudar à recuperação do sistema imunitário a alimentação tem um papel importantíssimo, havendo alguns alimentos (como os frutos vermelhos ou o açafrão das índias em conjugação com pimenta) que dão um empurrãozinho. Mas o tema alimentação ficará também para outras núpcias.

A cada ciclo os efeitos secundários iam ficando mais fortes (tirando a esofagite que foi controlada com medicação). Para a mucosite (aftas na boca) não houve medicamento ou mezinha que desse cabo delas. Ao fim de duas semana de tratamento já sabia que aí vinham em força (mesmo tendo o maior cuidado com a higiene da boca e fazendo profilaxia com uma “poção” antifúngica que me deram no hospital).

Fiquei também com um olfacto digno do melhor cão pisteiro! O cheiro das coisas mudou. Algumas coisas que até agora não tinham cheiro passaram a tê-lo (e de que maneira!). Um dos mais fortes era o cheiro da sala onde faço quimioterapia. Só de pensar nele ficava nauseada. Nem o meu marido nem as enfermeiras o sentiam. Quando acabei este ciclo de tratamentos o cheiro sumiu-se como num passe de magia e a sala passou a ter um cheiro inofensivo como antes.

E no último tratamento tive finalmente direito ao pacote completo e concretizei as náuseas com um belo vomitado!


Quando chegou ao fim esta fase fiquei radiante por ter acabado. Finalmente ia começar a quimioterapia “fácil”… Aiii, se a ingenuidade matasse!

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