terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Então e agora?

A minha história com o cancro começou ironicamente em Outubro, o mês internacional do cancro da mama. Se por um lado foi bom pois diariamente tinha acesso através media a informação sobre o cancro da mama, por outro nem tanto pois diariamente tinha acesso nos media a informação sobre o cancro da mama. Não, não me enganei a escrever, é assim mesmo (como alguém disse um dia, uma faca de dois “legumes” 😁 !).

Passo a explicar: numa fase tão inicial em que ainda não processámos bem aquilo que nos está a acontecer, quando andamos a ser submetidas a 1000000 de e ainda a tentar perceber como é que vamos lidar com isto tudo, o excesso de informação pode ser algo que trás mais prejuízo que benefícios.

Lembro-me por exemplo de ver um documentário realizado por uma jornalista, salvo erro holandesa, a quem havia sido diagnosticado um cancro da mama, mostrando o seu dia a dia durante o tratamento.Todo o relato transmitia uma imagem muito soturna e negativa de todo o processo e de alguém num estado psicológico do mais deprimido(ente) que se possa ter. Nada contra. Esta é a crua realidade. Mas ver isto assim logo no início em nada me ajudou a levantar o ânimo.

Por outro lado vi e li muitas reportagens sobre casos de sucesso (cuja percentagem elevada é sempre um facto animador) e tive acesso a muita informação útil sobre cancro da mama, diagnóstico e tratamento e sobre os direitos dos doentes com cancro.
Um destes programas positivos foi sem dúvida  o programa Prós e Contras dedicado inteiramente ao cancro da mama. Uma das surpresas que tive ao ver esse programa foi perceber através de uma sondagem pública que uma elevada percentagem de pessoas não saberia onde se dirigir após um diagnóstico de cancro da mama. Surpresa pois felizmente, desde o momento em que tive o resultado na mão, não tive qualquer dúvida sobre o que fazer.

No meu caso, no dia em que vi o resultado dos exames liguei de imediato para a unidade de saúde familiar a que pertenço para entrar em contacto com a minha médica de família. Quando expliquei o que se passava disseram-me para ir nesse mesmo dia falar com ela. E foi através da minha médica que o processo foi encaminhado para que tivesse continuidade o mais rapidamente possível (porque eu com o botão de pânico ligado como estava, não iria nunca conseguir agilizar o processo da mesma fora).  

Existem no nosso país de diversas Unidades de Mama, locais onde o estudo de cada doente é efectuado por equipas multidisciplinares de especialistas que irão abordar da forma mais eficiente todo o processo, desde o diagnóstico detalhado à escolha do tratamento mais adequado. Nestas unidades cada caso é avaliado em coordenação entre médicos oncologistas, cirurgiões, radiologistas, anatomo-patologistas, nutricionistas e até psicólogos, sendo óbvia a vantagem para o doente neste processo em contraste com um processo fragmentado em que cada especialista decide a solo as abordagens terapêuticas a seguir. Segundo a Associação Laço " Dados internacionais demonstram que as taxas de sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes oncológicos são superiores quando estes doentes são tratados em centros especializados."

 
Multidisciplinaridade nas Unidades de Mama. Fonte: Associação Laço

Assim, a mensagem que quero passar é a de que tendo em mãos um diagnóstico de cancro da mama (ou mesmo apenas apenas uma suspeita ou um exame cujo resultado não compreendemos) nos devemos dirigir o mais rápido possível aao nosso médico assistente para que este nos encaminhe (seja ele o médico de família, médico ginecologista, do público ou privado). Os profissionais de saúde não só nos saberão esclarecer todas as dúvidas sobre o que temos em mãos, como poderão encaminhar-nos e intervir de modo a que o processo de diagnóstico complementar e tratamento se inicie o mais rapidamente possível.

Para quem queira rever, fica o link ainda disponível para o episódio do Prós e Contras de 17 de Outubro de 2016 onde, à parte de algumas das "politiquices" do costume, se partilharam muitas informações úteis.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O primeiro dia do resto de uma outra vida

30 Setembro 2016

Já haviam passado três semanas desde a ecografia. Já havia feito a biópsia e deveria aguardar que me ligassem pois seria o médico a dar-me o resultado pessoalmente (Hmmmm, não me cheira nada bem…). Mas são os procedimento informam as senhoras da recepção (que aqui que ninguém nos ouve deviam muito pouco à eficiência e à simpatia).

Ah, e tendo em conta que o médico trabalha em várias clínicas, esta apenas é contemplada pela sua presença uma vez por semana. Assim sendo, poderia ocorrer uma semana extra de espera entre o médico elaborar o relatório dos exames e me ser transmitido o resultado. Uma semana. Sete dias. O tempo é relativo, e do lado em que eu estava uma semana era a eternidade e mais uns dias. Lá dentro algo continuava a repetir: “Não vai ser nada. Só um susto...” .

Não aguentei esperar mais. Decidi que naquele dia me iam entregar os relatórios de exame, estando ou não o médico presente. A recusa não seria uma opção pois todo o paciente tem direito a ter acesso ao seu processo clínico. Muitas vezes os médicos preferem ser intermediários activos neste processo  pois a dificuldade na interpretação da terminologia médica usada poderá levar à confusão do paciente e a estados de ansiedade desnecessários. Para além disso querem garantir que seja dada a continuidade necessária ao processo. Porém sabia que comigo isso não ia acontecer e queria saber de uma vez por todas o que se passava. Ver os resultados, soltar um sorriso de alívio de beber um copito de vinho tinto para comemorar (Só um susto, já passou...).

O meu marido foi ter comigo para que abrissemos juntos o esperado veredicto. Cedi à ansiedade e saímos do consultório transportando na minha mão o envelope fechado que continha o relatório que eu ainda não sabia que iria ter o maior impacto que algum relatório teve na minha vida.

Sentámo-nos para almoçar. Pedi um bacalhau com natas. Há já algum tempo que me andava a apetecer. 

Enquanto esperávamos pelo almoço decidimos que era altura de abrir o envelope. Na minha cabeça continuava a repetir  “Não vai ser nada. Só um susto...” mas a cada momento que passava estava menos convicta destas palavras.  

Abri o envelope. Desprezei os relatórios da ecografia e ressonância magnética e “ataquei” sem pensar duas vezes em direcção ao relatório da biópsia. Era naquele pequeno envelope que estava a resposta à dúvida que há quase um mês martelava na minha cabeça. E ao abri-lo os olhos fixaram-se de imediato naquela palavra que tanto temia encontrar mas que no fundo já esperava que lá estivesse: CARCINOMA.

Chorei. Compulsivamente, sem sequer me lembrar nem ter a preocupação de estar em público. O tão desejado bacalhau ficou quase inteiro no prato.


Até hoje os senhores do restaurante devem andar às voltas com a receita do bacalhau com natas que deixou uma cliente a chorar! 😀




sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Então e como é que deste por ele?

Esta tem sido a pergunta que mais vezes me tem sido feita. Sempre que conto a alguém o que se passa há esta curiosidade natural em saber na primeira pessoa afinal como é que se dá conta de que se tem um cancro da mama. E claro que quando o interlocutor é uma mulher ainda maior é a curiosidade, pois todas nós temos lá no fundo aquele sentimento de que só acontece aos outros mas, ao vermos uma amiga/conhecida nesta situação o problema torna-se mais real. “Eh pá, afinal isto acontece mesmo!” E uma coisa é ler nos livros ou saber pelos médicos aquilo que devemos procurar, outra é saber na vida real afinal como é que estas coisas se manifestam.

Não sei precisar o dia em que comecei a sentir que algo de estranho se passava. Nem sabia bem descrever exactamente o que era, mas tinha uma sensação estranha na mama direita. Esta sensação aumentou de intensidade num processo que em nada foi gradual. Sei que de um dia para o outro comecei a sentir uma sensação de peso na mama. Ao palpar não sentia nenhum caroço (Ufa, então não é nada de especial…), sentia toda a zona inferior como que mais densa e muita sensibilidade (dor) ao toque. (Ufa, não deve ser mesmo nada…).

E quem é que eu procurei, quem foi? Claro, o Dr Google! Encontrei muitos mas mesmo muitos sítios que afirmavam veemente que se é cancro da mama então não dói. Se dói será uma coisa qualquer benigna sem grande razão para preocupação. (Ufa, isto está a compôr-se…). Deve ter sido uma pancada qualquer que para aqui levei no milhão de pontapés, cabeçadas e cotoveladas que a minha delicada filhota me dá entre brincadeiras e pinotes. Ainda por cima não há casos de cancro na família, amamentei durante largos meses e nunca sequer fui considerada pertencer a um grupo de risco para estas coisas. Sem stress!

Claro que procurei a minha médica que descreveu aquilo que sentia na palpação como um “empastamento” no quadrante inferior da mama. Claro que por via das dúvidas teria sempre que ir fazer uma ecografia para despistar qualquer coisa má. Mas concerteza não ia ser nada.

Lá marquei a ecografia, sempre sem grande stress (e confesso que, por mais que agora de nada me sirva o peso do remorso, sem grande pressa). No dia marcado lá estava, com um nervoso miudinho, nem sabia bem porquê, já que não ia ser nada de mau. Ao olhar para o ecrã, o médico torceu o nariz como quem não gosta daquilo que vê. 

Tenho péssimo hábito de tentar analisar as expressões dos médicos quando olham para os meus exames. Naqueles instantes acho sempre que estão com ar de que estão perante um diagnóstico dramático, daqueles do “hmmm,isto já não vai lá…” quando no fim só devem ter uma comichãozinha no nariz daquelas chatas que surgem sempre que temos as mãos ocupadas. Decidi então que aquele não era o momento certo para insistir nesta minha inaptidão para a análise da linguagem corporal e dar graças por ter escolhido estudar ciências exactas. O exame estava a ser mais demorado só para ter a certeza de que não era nada de mau.  

Mas desta vez o meu instinto estava certo. Pelas características morfológicas observadas era imprescindível complementar o diagnóstico com uma ressonância magnética e uma biópsia. Para ontem! Havia vaga para ressonância magnética nessa mesma tarde e voltaria para a biópsia uma semana depois. E eu, a raparigas das 100000 palavras por minuto e que tem sempre um questão a fazer não fui capaz de fazer mais perguntas. 

Só quando saí do consultório é que caí em mim. A mente toldada por toda aquela urgência em fazer mais exames começou a clarear. "Espera, talvez não seja mesmo nada de bom...". Mas lá no fundo uma parte de mim ainda continuava a repetir "Não vai ser nada, só um susto.".



  



quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Porque não?

O relógio marca 03:50. Aqueço o segundo (talvez terceiro) leitinho da noite. O automatismo adquirido ao longo dos últimos dois anos e meio torna estas minhas actividades nocturnas algo enevoadas na memória. 

E agora, desde que soube que tinha cancro o regresso ao sono tornou-se mais difícil, dando margem para pensamentos mais ou menos profundos. Tanto dou por mim a reflectir sobre o sentido desta m**** toda como a pensar o que hei-de fazer para o jantar com aquilo que há no frigorífico. Há que dizer que para um cérebro macerado pela privação de sono estas podem ser tarefas igualmente complexas!

Nesta precisa noite estava eu pensar para os botões do microondas: “Eu devia era ir à bruxa… que as há há, e assim como assim mal não há de fazer. Juntava mais uns amigos para quem 2016 também foi "filha-da-mãe", fazíamos uma “vaquinha” e sempre podíamos escolher uma assim melhorzinha que a dividir por todos não custa nada. Tenho que arranjar um caderninho para ir tomando nota destas cenas.”

Lembro-me de ter lido em tempos que todos devíamos ter um caderno de notas na mesa de cabeceira. Diz-se por aí que é à noite que nossa criatividade fica em alta. Enquanto escrevia a minha tese tive muitas ideias nocturnas brilhantes! Mas devo ter qualquer afinação a fazer pois ao acordar todas aquelas ideias tão brilhantes que me iam levar na estrada de tijolo amarelo em direcção ao Nobel mostravam afinal ser devaneios disparatados e afinal o que eu tinha era mesmo sono.




Momentos de inspiração nocturna...



Mas, voltando àquela fatídica madrugada (outra característica minha é a de divagar facilmente 😊). Pensei então que talvez fosse uma boa ideia transportar esses pensamentos do caderninho para algo que estivesse acessível ao resto do mundo e quiçá arredores (is anyone out there?)…

Enquanto esperava o diagnóstico e a palavra cancro era apenas uma hipótese que me massacrava a cada segundo fiz aquilo que todo o mortal corre a fazer numa situação destas: consultar aquele que é o Sabichão dos tempos modernos, o oráculo que nos dá resposta a todas as nossas dúvidas, o Doutor Google! 

Claro que não foi nada boa ideia. Deparei-me com um dos grandes problemas dos tempos modernos, o excesso de informação! Muitas fontes credíveis, escritas por especialistas e e com bases científicas sólidas mas também muita informação duvidosa, incompleta e muitas vezes errada. E aí foi preciso ter a capacidade de usar o crivo mais "apertadinho". Mas com a cabeça às voltas nada disto é fácil. Por ironia passei uns anos da minha vida a estudar mecanismos de protecção celular contra o stress oxidativo, um dos enfant terrribles associado ao desenvolvimento do cancro. Então e se eu tentasse partilhar aquilo que vou lendo e aprendendo? 

Nasceu então a vontade de criar este blog. O objectivo principal será o de partilhar a minha experiência durante o processo de dar cabo deste "bicho" que agora não tinha mais nada que fazer do que vir chatear-me. Partilhar aquilo que vou aprendendo aqui e ali, que me vai ajudando neste caminho e mais uma meia dúzia de disparates que de quando em vez borbulham pelo meu cérebrozinho. 

E assim em resumo (a capacidade de ser poupadinha nas palavras também não é o meu forte 😉) começa hoje esta aventura. Sem pretensões a ser um blogue da moda nem eu em transformar-me numa Blogger (embora ache que fique chique no cartão de visita), mas apenas em ter uma plataforma onde possa partilhar aquilo que tem sido e será o meu caminho. Também nada daquilo que escrevo ou penso são verdades absolutas, apenas pontos de vista e factos baseados nas minhas pesquisas. E quem o ler sinta-se convidado a usá-lo e abusá-lo para partilhar também as suas experiências! E se este blog ajudar uma pessoa que seja, já valeu a pena!