quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Esta semana estou assim...

Esta semana falta-me a energia para me sentar e escrever sobre seja o que for. A minha amiga quimioterapia "fácil" tem um plano para acabar comigo... Mas eu já a lixo que não tarda estou de volta! Só preciso de hibernar um bocadinho para recarregar energias e logo logo explico bem que raio é isto da quimioterapia "fácil". 

Quando se sabe que tem cancro muitos são os momentos em que desejamos ter uma daquelas poções a la Romeu e Julieta para podermos ficar sossegadinhas enquanto os médicos se entretêm a resolver a coisa e voltar a acordar quando isto tudo acabar (e de preferência com um aviso bem grande a dizer: "Estou só a dormir!!!", não vá haver algum mal entendido e a coisa descambar num final também a la Romeu e Julieta). 

Por isso se perguntarem por mim estou para aí enroscada num cantinho a recarregar e já volto!


Não sei se este sapinho existe mesmo ou se é só mais uma daquelas informações que alguém achou giro inventar e espalhar pelo mundo virtual... Mas que às vezes tenho inveja dele, lá isso tenho!


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Doar medula óssea

Há já alguns anos que sou dadora de sangue e estou registada como dadora no Registo Português de Dadores de Medula Óssea (CEDACE).

Num dos meus momentos de reflexão lembrei-me de que provavelmente já não o poderia ser. Depois do corpo levar com tantos químicos e radiações talvez já não esteja em condições de dar seja o que for (vá, continuo a dar opiniões sobre tudo e alguma coisa que isso é mais forte que eu!!).

Assim sendo achei que o melhor seria o meu nome ser retirado da base de dados de dadores de medula, não fosse o destino jogar mais uma das suas cartadas maléficas e ser este o momento em que surgiria alguém a necessitar de um transplante e eu fosse  o dador compatível (e com as ironias dos últimos tempos, quase que adivinho que isso ia acontecer!). 

Peguei no telefone e liguei para o Centro de Histocompatibilidade Sul, onde me atenderam com uma simpatia fora de série. Passaram a chamada a uma médica que confirmou a impossibilidade de continuar a ser dadora. Explicou-me que as minhas células da medula óssea, depois de tanto tratamento, perderiam a capacidade de fazer o seu papel em caso de transplante.

Concordou também que o melhor a fazer seria mesmo retirar-me da base de dados de dadores, uma vez que se trata de uma condição irreversível (mesmo que todos os vestígios de cancro desapareçam do meu corpo e assim se mantenha durante longos anos, nunca mais poderei voltar a ser dadora).

E é este o procedimento que aconselho a que façam caso tenham sido diagnosticados com cancro ou em algum outro caso em que desconfiem não poder continuar a ser dadores de medula. Contactar o centro de Histocompatibilidade e informar-se sobre o que fazer. Os médicos que ali trabalham estão disponíveis para ajudar e serão sem dúvida as melhores pessoas para aconselhar e ajudar a decidir como proceder em cada caso. 

Não esquecer quem já é dador que deve também comunicar sempre que haja alguma alteração dos dados fornecidos na altura da colheita (morada, telefone...) para que seja possível que vos contactem caso apareça alguém compatível a necessitar de transplante.

A todos os outros que preenchem os requisitos para ser dadores e ainda não o sejam peço que se dirijam a um dos locais onde se faz recolha e se inscrevam como dadores de medula óssea. Sei que muita gente fica apreesiva quando se fala em dar medula óssea mas processo de inscrição não custa nada. Apenas nos tiram um pouquinho de sangue tal e qual como se de uma qualquer análise se tratasse. No caso de haver realmente doação o processo é também inofensivo para o dador. 

E se por acaso do destino algum dia aparecer um doente compatível não haverá concerteza receio que se sobreponha à alegria de saber que está nas nossas mãos ajudar a salvar a vida de alguém.

Fonte: APCL

Para mais informações sobre todo o processo de doação de medula óssea podem consultar o site da Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL). 

Contactos do Centro de Histocompatibilidade do Sul:

Centro de Histocompatibilidade do Sul
Hospital Pulido Valente
Alameda das Linhas de Torres, nº 117
1769 – 001 Lisboa, Portugal
Tel. Geral: 00351 21 750 41 00; Fax: 00351 21 750 41 01
www.chsul.pt
email: chsul@chsul.pt ou cedace@chsul.pt



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

As alegrias da quimioterapia – Capítulo I

O meu tratamento de quimioterapia começou por 4 sessões da simpática conjugação Epirrubicina-Ciclofosfamida (EC para os amigos).

A Epirrubicina é comumente utilizada como tratamento no cancro de mama invasivo, especialmente quando já existem nódulos linfáticos afectados. Pertence ao grupo das antraciclinas (antibióticos produzidos por bactérias do género Streptomyces) e o seu modo de acção não é ainda totalmente compreendido. Sabe-se porém que este grupo de moléculas tem a capacidade de se ligar ao DNA, impedindo que as células concretizem a divisão celular.

Assim sendo, a epirrubicina vai impedir o tumor de crescer e de se espalhar para outros locais do organismo por um lado travando a divisão desenfreada que caracteriza as células cancerígenas e por outro induzindo a sua morte.

A epirrubicina caracteriza-se por uma cor alaranjada (a única parte gira da coisa é que ficamos a fazer xixi laranja fluorescente durante uns dois dias!) e em muitos sítios referem-se a ela como a quimioterapia vermelha.

A ciclofosfamida é usada frequentemente em combinação com a epirrubicina em tumores da mama com tendência a formar metástases. Tal como a epirrubucina a ciclofosfamida tem a capacidade de se ligar ao DNA das células, impedindo a cópia do DNA e a formação de novas proteínas e consequentemente, impedindo a divisão celular. Umas das diferenças entre estes agentes é a especificidade ou não para actuar em determinada fase da vida da célula. Enquanto a epirrubicina não tem uma fase específica  do ciclo celular para actuar (tanto tem acção quando as células estão em repouso e não se dividem mas também quando estão já em processo de divisão), a ciclofosfamida é mais específica e actua apenas enquanto as células estão na fase de repouso.

Tendo em conta que “a quimioterapia mata boas e más células, semelhantemente a uma bomba numa guerra”  (citando a Dra Fátima Cardoso em entrevista para o site Executiva), podemos também compreender porque é que estes citotóxicos provocam tantos efeitos secundários.

Estes agentes vão travar o crescimento e divisão de todas as células do organismo. Vão porém ter um maior efeito nas células que se multiplicam mais rapidamente. As células cancerígenas pagam pela sua gula e, ao consumirem mais rapidamente o que entra no nosso organismo, de modo a sustentar a sua divisão desenfreada, também sofrem mais com os efeitos dos químicos citotóxicos. Mas temos também no nosso organismo células saudáveis que necessitam de renovar-se e multiplicar com maior frequência, como é o caso das células dos folículos capilares, das células sanguíneas (principalmente quando na formação de novas células pela medula óssea) e das células da pele e das mucosas do sistema digestivo. São então estas as células saudáveis que mais vão ser afectadas pela quimioterapia. Os efeitos secundários mais comuns são as náuseas (porque o nosso corpo está a tentar rejeitar o agente nocivo que de repente apareceu), queda de cabelo, a depressão do sistema imunitário caracterizada pela diminuição de glóbulos brancos, a maior tendência para sangramento derivada da diminuição de plaquetas sanguíneas, a anemia devido a uma diminuição de glóbulos vermelhos, a agressão das mucosas da boca (mucosite) e do sistema digestivo, a sensibilidade da pele e as unhas negras e quebradiças.

Segundo as informações dadas pelas enfermeiras que me acompanham esta primeira fase da quimioterapia com EC seria a mais “dura” no que diz respeito a efeitos secundários (mais desenvolvimentos no próximo capítulo). Cada sessão teve um intervalo de 3 semanas entre ciclos de modo a que o corpo conseguisse recuperar do impacto e aguentasse mais uma dose.


Ainda perguntei se não havia dos saquinho que diziam "Gin Tónico" mas não me deram escolha...

Após a primeira sessão saí de lá como se nada fosse. Fiz a medicação para as náuseas toda certinha como me foi indicado (mesmo não tendo náuseas). No dia seguinte continuava fresca que nem uma alface! “Boa, vou levar isto com uma perna às costas!”, pensei eu. Ingenuidade de iniciante, claro!

Ao terceiro dia começaram a aparecer as náuseas que foram piorando com o passar dos dias. Desapareceu a vontade de comer, e até o cheiro das comida me deixava mal disposta. “Se for só isto cá me aguento!”. Ingenuidade!

Ao fim de uma semana começou a queda de cabelo, aquele que para mim foi o efeito secundário com menor impacto (mas isso também ficará para um texto totalmente dedicado à temática capilar). As unhas começaram também a mostrar sinais ficando mais escuras (embora em mim este efeito não tenha sido muito marcado)

E passado duas semanas é que a coisa começou a “doer”. Cansaço generalizado, dores no corpo semelhantes às que temos quando temos um daqueles febrões (mas felizmente sem nunca ter febre que seria indicação de alguma infecção oportunista) e continuação das náuseas agora já acompanhadas de vómitos. Para ajudar veio a obstipação daquelas mesmo à séria!

A mucosa da boca começou a ficar uma lástima, cheia de aftas gigantes e dolorosas que me tiravam a pouca vontade que ainda houvesse para comer alguma coisa. Para adicionar alguma emoção à coisa também a mucosa do esófago ficou afectada. Algo tão puro quanto a água provocava dores terríveis ao fazer o seu caminho da boca até ao estômago. Para controlar a mucosite e esofagite salvou-me a dica das enfermeiras de bochechar e beber um pouco de água com bicarbonato de sódio.

Comecei também a sentir aquilo a que se chama o “cérebro ou névoa de quimioterapia”. A capacidade de raciocínio ficou mais lenta, comecei e ter falhas de memória (daquelas de me esquecer para onde vou e o que ia fazer) e alguns momentos de tontice pura! A frase “explica-me como se eu fosse muito burra” passou a ter outro sentido!

Quando estava a sentir que estava a voltar ao normal: Pumbas, mais uma dose! O meu sistema imunitário andou sempre “rés-vés Campo de Ourique”. Os níveis de neutrófilos andavam baixos até ao último dia (a chamada neutropenia). Felizmente sempre recuperaram mesmo a tempo de não falhar nenhum tratamento e safei-me à época alta das gripes sem nenhum incidente relevante. Para ajudar à recuperação do sistema imunitário a alimentação tem um papel importantíssimo, havendo alguns alimentos (como os frutos vermelhos ou o açafrão das índias em conjugação com pimenta) que dão um empurrãozinho. Mas o tema alimentação ficará também para outras núpcias.

A cada ciclo os efeitos secundários iam ficando mais fortes (tirando a esofagite que foi controlada com medicação). Para a mucosite (aftas na boca) não houve medicamento ou mezinha que desse cabo delas. Ao fim de duas semana de tratamento já sabia que aí vinham em força (mesmo tendo o maior cuidado com a higiene da boca e fazendo profilaxia com uma “poção” antifúngica que me deram no hospital).

Fiquei também com um olfacto digno do melhor cão pisteiro! O cheiro das coisas mudou. Algumas coisas que até agora não tinham cheiro passaram a tê-lo (e de que maneira!). Um dos mais fortes era o cheiro da sala onde faço quimioterapia. Só de pensar nele ficava nauseada. Nem o meu marido nem as enfermeiras o sentiam. Quando acabei este ciclo de tratamentos o cheiro sumiu-se como num passe de magia e a sala passou a ter um cheiro inofensivo como antes.

E no último tratamento tive finalmente direito ao pacote completo e concretizei as náuseas com um belo vomitado!


Quando chegou ao fim esta fase fiquei radiante por ter acabado. Finalmente ia começar a quimioterapia “fácil”… Aiii, se a ingenuidade matasse!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Nada nos derruba!


Como qualquer pessoa com filhos pequenos o meu repertório cinematográfico mais recente consiste essencialmente em filmes de animação (OK, OK! Confesso que adoro desenhos animados e já os via antes!).

Aqui por casa o Frozen e a Elsa foram recentemente substituídos pelos Trolls. E confesso que apesar de já o ter visto 1000 vezes adoro este filme e a sua mensagem!! O segredo da verdadeira felicidade está em nós!

E hoje não me vou alongar muito na escrita e vou apenas partilhar uma música deste filme que me dá vontade de dançar, que me anima mesmo naqueles dias em que a boa disposição tem que ser "puxada a ferros". Sim, porque eu sou como um pequeno troll que adora cantar (quem tem que me ouvir talvez não goste assim tanto!!), dançar e abraçar! E quero partilhá-la especialmente com as minhas mais recentes amigas, as SUPER MULHERES que sem capa nem mascarilha todos os dias lutam de cabeça erguida e com um sorriso nos lábios!

E se algo nos derrubar levantar-nos-emos outra vez!! 💖


Hey!
I'm not giving up today
There's nothing getting in my way
And if you knock knock me over
I will get back up again
If something goes a little wrong
Well you can go ahead and bring it on
'Cause if you knock knock me over, I will get back up again
Whoa oh oh oh, get back up again, whoa oh oh oh oh oh




segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Estar vivo pode causar cancro

Pois é… Infelizmente essa é a dura realidade.

A verdade é que ao aprofundarmos o conhecimento sobre o quão complexo é funcionamento desta grande máquina que é o nosso corpo ficamos surpreendidos de como é que isto não dá merda asneira mais vezes.

Imaginemos o nosso corpo como uma grande fábrica em que cada célula tem o seu lugar e a sua tarefa. Como qualquer fábrica que se preze existe um sector de controlo de qualidade responsável por garantir que tudo o que sai da unidade de produção está em conformidade. 

Sempre que uma nova célula se forma ela é verificada para detectar eventuais erros. As células em conformidade levam o carimbo de qualidade e seguem a sua vidinha.

Caso se verifique a ocorrência de algum erro tenta-se a sua reparação, mas casos há em que a reparação é impossível. Dá-se então ordem a essa célula que se “suicide” em prol de um bem maior (um processo de morte celular programada chamado apoptose). Este suicídio celular é também importante quando as células chegam ao seu fim de vida, sendo dada ordem que prossigam com a sua destruição uma vez que perderão a capacidade de desempenhar correctamente as suas funções.

Mas de vez em quando há quem durma em serviço e lá passa pelo controlo de qualidade uma célula ou outra com defeito. Mesmo assim temos ainda o nosso sistema imunitário em alerta para destruir “seres estranhos” que vagueiem pelo nosso corpo mas, guess what, por vezes também ele falha!

Nem sempre o sistema imunitário é infalível. Fonte: Scientific Infographics: Editorial Cartoons


Estes erros (chamados mutações) ocorrem numa estrutura celular conhecida de todos, o DNA (do inglês desoxirybonucleic acid).  É o DNA que contém toda a informação sobre as nossa células e o nosso corpo. Esta informação está organizada em genes que ordenam a formação de novas proteínas, a destruição de outras, a localização e função de cada célula do nosso corpo. É nele que está a informação de que a célula X vai pertencer ao olho e a célula Z ao rim e que características devem ter cada uma delas para que assim seja. No fundo o DNA é como o manual de instruções de cada célula do nosso corpo.

E é quando percebemos que este manual de instruções é constituido por cerca de 3 biliões de caracteres (as unidade elementares do DNA chamadas nucleótidos) e que estas têm que ser copiadas uma a uma cada vez que uma célula se divide, que percebemos também a tal elevada probabilidade de dar asneira. E tanto maior será quanto maior for a taxa de regeneração de um tecido (ou seja, quanto maior for a necessidade de formação de novas células e do “suicidio” programado das que já estão demasiado velhas para fazer o seu trabalho). Exemplos disso são a medula óssea, a pele e os epitélios do tubo digestivo.

E se muitas vezes um outro erro não traz grande mal ao mundo e a célula consegue continuar na sua vidinha normal, estes erros podem ir-se acumulando ao longo do tempo e acabar por afectar zonas do manual de instruções que determinam o funcionamento de algumas funções mais importantes da célula.

São estas mutações que levam a que a célula “defeituosa” fique fora de controlo e se multiplique desenfreadamente, ignorando todos os sinais de que algo está errado e deve parar de multiplicar-se. Podem também levar a que a célula ignore todos os sinais de que a sua hora chegou e deve dar início ao processo de apoptose (o tal suícidio celular), tornando-a quase como imortal (tipo Ducan MacLeod, mas com muito menos estilo!)

A multiplicação desenfreada destas células leva a uma maior probabilidade de ocorrerem mais mutações o que por sua vez leva a que elas se continuem a multiplicar cada vez mais rapidamente e fazendo até com que estas células ganhem algumas vantagens competitivas relativamente às células “normais”. Esta é uma das características mais marcante das células cancerígenas: não saber quando parar! Para além da sua capacidade para consumir nutrientes a uma taxa muito superior à das células normais (e até ordenar a formação de novos vasos sanguíneos para as alimentar quando formam os agrupamentos a que chamamos tumores), as células cancerígenas ignoram os sinais das células vizinhas que numa situação normal as faria perceber que a coisa ficou fora de controlo, já chega de crescer e toca a desamparar a loja. Para além disso estas células defeituosas perdem a capacidade de se especializar (ou seja, a capacidade de receberem indicações de que são uma célula de um rim ou de um pulmão permitindo que se multipliquem mais rapidamente ao não perder tempo a se reorganizarem para exercer estas funções especializadas). As células cancerígenas não têm também as proteínas que normalmente levam à agregação das células às suas vizinhas, o que lhes facilita a tarefa de se espalharem e para outras zonas do organismo.


As células cancerígenas não sabem quando parar! Fonte: Beatrice the Biologist


E afinal porque é que ocorrem essas tais de mutações? As mutações podem ocorrer apenas por uma questão probabilística, resultado de falhas naturais nestes processos tão complexos que diariamente ocorrem no nosso organismo. Com tanta coisa a acontecer a tantos intervenientes é natural que algo possa falhar. Elas podem também ser resultado da influência de factores externos como a exposição a radiação, químicos, tabaco, vírus ou bactérias ou da alimentação. Existem também alguns genes “defeituosos” que podem ser transmitidos de pais para filhos aumentando a probabilidade de vir a desenvolver determinados tipo de cancro (daí se dizer que alguns tipos de cancro, como o da mama ou próstata podem ser hereditários).  

Já dizia a outra senhora que “o contrário de estar vivo é estar morto”. E analisando bem as coisas é fácil perceber que apesar de ser um azar do caraças que nos calhe a nós e que levar uma vida baseada em hábitos saudáveis (como a prática de desporto e uma alimentação equilibrada) é sem dúvida um forma de prevenção mais que comprovada, nada nos garante que a coisa um dia não nos bata à porta. Basta estar vivo.


OK, nada de pânicos! Mas esta finalização quase fatalista serve para deixar o alerta de que, para além dos hábitos de vida saudável, não devemos nunca descurar os exames períodicos de rastreio. No caso de o azar nos bater à porta, a detecção precoce do problema é importantíssima para uma maior taxa de sucesso no tratamento. Por isso, para quem se esqueceu, toca a ir já marcar as ecografias, mamografias e outras –afias afins!

Para quem quer ler mais um pouco sobre o assunto (escrito por pessoas mais sábias que eu...):

Simões, Manuel S., O Cancro. Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Relógio D'Água Editores. Maio 2014 (Estas edições costumam estar à venda nos supermercados Pingo Doce. Eu encontrei recentemente na FNAC).





quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Let the games begin!

E finalmente chegou o tão desejado como temido dia 26 de Outubro, primeiro dia de quimioterapia. A primeira sessão de quimioterapia foi para mim a mais difícil. Por não saber ao que ia. Por não saber o que esperar. O desconhecido é assustador e neste caso, quando sabemos que nesse desconhecido se escondem coisas más, ainda mais assustador se torna. 

Vou sentir os efeitos logo durante a sessão? Vou passar uma semana a vomitar? Ao sair todo o meu cabelo vai voar à primeira rajada de vento? Vou aguentar?

Tenho consulta com uma enfermeira para saber pormenores sobre o processo, levo uma série de panfletos sobre efeitos secundários e tenho ali o momento para esclarecer todas as minhas dúvidas. O problema é que naquele momento as dúvidas são tantas e tão vagas que se transformam em dúvida nenhuma. Ao mesmo tempo tenho cada vez mais a noção de que por mais que me descrevam os hipotéticos cenários para os próximos dias estes não deixam de ser hipotéticos. 

Saio da consulta com uma lista de instruções para que tome religiosamente uma panóplia de comprimidos nos primeiros quatro dias após o tratamento. Um para as náuseas e vómitos. O outro para o mesmo, mas diferente. E outro ainda para... espera... náuseas e vómitos. Se tudo isto não resultar ainda tenho um para tomar em SOS caso tenha... náuseas e vómitos! O meu fígado não via tanta acção desde as semanas académicas.

O meu primeiro ciclo de quimioterapia consistiu em 4 sessões de Epirrubicina com Ciclofosfamida. Terei tempo a dedicar-me um pouco mais a falar sobre elas. 

Chegam os saquinhos embrulhados em papel de alumínio com uma etiqueta a dizer "citotóxico". Até hoje esta palavra dir-me-ia: não comas, não bebas, não toques. Agora iam meter-me isto p'rá veia! 

Estou pronta! Vamos a ele!



Ground Control to Major Tom

Ground Control to Major Tom
Take your protein pills and put your helmet on
Ground Control to Major Tom

(10, 9, 8, 7, 6)

Commencing countdown, engines on


(5, 4, 3)

Check ignition and may God's love be with you

(2, 1, liftoff)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Fura daqui, esburaca dali…

Fonte: jesse-bones.deviantart.com 

Após ter o diagnóstico inicial foram necessários uma série de exames “extra” para se fazer o diagnóstico completo e detalhado e a equipa médica decidir a estratégia de ataque ao "bicho". Acho que em duas semanas fui mais vezes ao médico do que em toda a minha vida. Fura daqui, esburaca daqui, agora mais uma biópsia, agora injectamos um isótopo radioactivo, agora mais umas análises…

Outra opção que me foi dada e que desconhecia totalmente foi a da preservação de fertilidade, que é como quem diz "guardar uns ovinhos para chocar mais tarde". Os tratamentos oncológicos podem induzir uma menopausa precoce, levando à impossibilidade de engravidar de forma natural após finalizar os tratamentos. A preservação de ovócitos é possível antes de iniciar os tratamentos e disponibilizada gratuitamente a doentes oncológicos. Para tal é necessário que o médico oncologista não veja qualquer inconveniente para tal e se avalie a inexistência de impactos negativos no tratamento oncológico (cujo início terá que ser adiado em pelo menos uma semana).  A cargo do doente fica apenas o custo da medicação (e o apenas é eufemismo, porque os medicamentos não são nada baratos). Eu fui encaminhada pela minha médica oncologista para o Instituto Valenciano de Infertilidade (IVI) onde neste momento estão vitrificados oito daqueles que poderão ser os meus futuros descendentes!

Neste período antes de iniciar os tratamentos decidi também fazer uma visita ao dentista (shame on me, já lá não punha os pés há uns aninhos). E ainda bem que assim o fiz. Tinha aqui umas pequenas cáries a precisar de tratamento e soube a posteriori que os tratamentos dentários são proibidos durante a quimioterapia pois podem levar ao desenvolvimento de uma coisa má qualquer cujo nome já não sei precisar mas que envolvia as palavras necrose e gengiva na mesma frase. Assim sendo, deixo o conselho de visitarem o dentista antes de começar qualquer tratamento e confirmar sempre com o médico oncologista aquilo que pode ou não ser feito dependendo do ponto da situação em que estão.

Quando terminei este processo tive ainda direito a uma pequena intervenção cirúrgica para que me fosse implantado um catéter intradérmico que estará comigo durante todo o processo de quimioterapia. Este catéter permite que não tenham que procurar uma veia sempre que faço quimioterapia. Tenho um pequeno dispositivo implantado debaixo da pele na zona abaixo da omoplata e está directamente ligado a uma veia. Parece uma coisa assustadora mas, pelo contrário. Não incomoda nada no dia a dia e quando vou à quimioterapia apenas é preciso furar a pele e a coisa sempre é um pouco mais fácil.

E foi neste dia em que coloquei o catéter para a quimioterapia que me “caiu a ficha”. Parece que tinha andado meio adormecida durante este tempo todo em que tinha andado entretida nas correrias entre exames. Nesse dia é que percebi… Espera lá, afinal isto é mesmo a sério. Vou fazer quimioterapia, vai cair-me o cabelo, ter efeitos secundários que sabe-se lá o que me vão fazer…

Durante toda esta semana houve uma música que me acompanhou... Sim, porque sempre achei que a nossa vida precisa de uma banda sonora. Cada vez que me faziam mais um furinho, cantarolar algo (para dentro, porque longe de mim querer traumatizar com os meus dotes vocais alguém com uma agulha na mão) ajudava-me a descontrair. A ter a cabeça num outro sítio que não mais uma sala de hospital. Neste caso foi uma música especial. Algo que tenho cantarolado vezes a fio com a minha filha e que me transporta para um mundo mágico e para o quentinho da companhia dela. Sempre que a cantarolava  não me lembrava que tinha medo.