segunda-feira, 29 de maio de 2017

Voltei (mas o meu cérebro ainda precisa de tempo)...

Li no outro dia por uma página de Facebook que "A quimioterapia vem sendo frequentemente citada como fator importante para a diminuição da função cognitiva, raciocínio, memória e atenção dos pacientes oncológicos. Esse mecanismo é chamado de “Chemo brain”, numa referência às alterações que podem ocorrer no cérebro. Agora, um novo estudo mostra de forma cabal que a quimioterapia teve uma influência extremamente negativa na função cerebral de mulheres em tratamento para câncer de mama.".
 
Olha, e eu que ando tão esperta e perspicaz.
 
Hoje logo pela manhã até relembrei alguns conhecimentos de lógica adquiridos nas aulas de filosofia nos longínquos anos 90:
 
Premissa 1: Lavamos os dentes com pasta de dentes.
Premissa 2: Biafine não é pasta de dentes.
Conclusão: Logo, não tentes lavar os dentes com Biafine, apesar de este estar numa bisnaga na casa de banho. (A partir de agora olha mas é para o que tens na mão antes de espremer uma dose generosa para a escova de dentes e a pores na dentuça!)
 
Já agora, a todos os que andem pelos corredores de uma certa e determinada fundação: se encontrarem uns neurónios a correr pela sala de tratamentos de quimioterapia ou pela zona de cirurgia, apanhem-nos!! Não é por nada, mas a dona tem saudades! 
 
 
 

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Pronto, já está!

O cancro fez-me sentir na pele a relatividade do tempo. 

Quando recebi o diagnóstico o tempo parou. 

A pouco e pouco foi ganhando ritmo mas, com a chegada da quimioterapia, voltou a pôr o pé a fundo no travão. Os seis meses de intoxicação crónica devem ter sido os mais longos da minha vida. 

Mas agora, num repente, já passou! Comemoro amanhã um mês do fim da quimioterapia. E esses infindáveis seis meses, onde parecia presa para todo o sempre, já estão lá para trás. E sei que quanto mais distantes estiverem, mais curtos me vão parecer. 

E de repente o tempo voltou a ligar o turbo (deve ter um botão de "nitro" ao jeito de Van Diesel nos seus carros quitados do Fast and Furious). 

Sexta feira entrei para cirurgia logo pela fresquinha. Lá para as 8h já eu roncava enquanto, durante cerca de 4 horas, o cirurgião apresentou a ordem de despejo ao senhor cancro. Faz favor de sair que esse corpo não lhe pertence! 

Terminado o despejo lá fiquei o resto do dia a curtir a anestesia! (e fiz questão de, naqueles fugazes momentos em que conseguia abrir os olhos e ver a equipa que me acompanhava entre a sala de recobro e o quarto, dar um ar da minha graça e apenas ser capaz de repetir umas 20 vezes: "Xiiii, granda moca!", antes de voltar a dormir outra vez. Tive sorte de não me mandarem dali directamente para um centro de reabilitação, tal não foi a boa impressão que causei, dando a entender ter já vasta experiência na área da "moca"!)

E a partir daí estamos com turbo ao máximo. Andei um dia com drenos (também conhecidos como sacos da cabidela... mas vou poupar-vos a pormenores!) e no Domingo pela manhã, quando dei por ela, já estava prontinha para ir para casa. 

Estamos a uma velocidade tão alucinante que agora sou eu que estou ali com o pé, vai não vai, a postos para carregar no travão, que isto das velocidades às vezes assusta! Agora há que esperar pelo resultado das análises ao inquilino para ver se a ordem de despejo foi cumprida por completo. E ainda faltam as cicatrizes sarar. E a fisioterapia para que o braço não se ressinta da remoção dos gânglios linfáticos. E a radioterapia. E mais 5 anos, ou 10 anos, ou a eternidade de terapia hormonal e de uma menopausa precoce e forçada que me transforma numa mulher de 60 anos presa num corpo de 36 (acordar com afrontamentos é daquelas cenas que, assim de repente, não estavam nos meus planos por agora).

Mas, mais importante do que o que ainda me espera, é que neste momento apenas consigo sentir-me feliz! Este foi o passo que fez sentir-me finalmente limpa, livre deste malvado "ocupa" que se fez convidado de um corpo que me pertence!

Tenho (muitas) cicatrizes, é verdade. No corpo e na alma. Mas estas cicatrizes irão lentamente desvanecer-se até se tornarem parte de mim. Aqui estarão para me lembrar que já estive "partida" mas ergui a cabeça, apanhei os cacos e segui em frente, mais forte, mais completa e mais feliz. Percebi finalmente que o controlo não é meu, o futuro não me pertence. E isso deu-me paz para gozar cada dia em pleno e valorizar a vida no que de mais simples tem. 









sexta-feira, 5 de maio de 2017

Última dia de emplastro

Ontem foi finalmente o último dia em que vivi com o inquilino mais indesejado de sempre que se instalou no meu corpo sem ser convidado.

Como chapada de luva branca ainda demos um passeio juntos, apesar do dia farrusco, e até o alimentei com uma bela dose de junk food com tudo aquilo a que tinha direito. Espero que tenhas desfrutado da sua última refeição. 

Sim caro cancro, é contigo que falo! Espero que tenhas finalmente percebido que foi um grande erro escolheres-me. Hoje vais à tua vidinha que eu vou à minha! Não sei se o teu futuro será num frasquinho no laboratório ou na incineradora junto do restante lixo hospitalar, ardendo em chamas como quem foi fazer companhia ao Belzebu. Nem quero saber. Vai e não voltes!

Apesar do nervoso miudinho, o sentimento hoje é acima de tudo de alívio. Finalmente poderei dizer, ao fim de sete penoso meses, que o meu corpo vai ficar livre!

E quanto à cirurgia, já sei o que procurar para me sentir segura (eu sabia que começar em tenra idade a seguir os ensinamentos dos sábios Monthy Python me ia ser útil um dia!). Não vou dar à luz uma criança, mas a coisa não é assim tão diferente, pois vão tirar este "ser" asqueroso de dentro de mim... Assim sendo, assim que entrar na sala de operações, e antes de me porem a dormir, apenas tenho que me certificar que trouxeram a máquina que faz Ping! De outra forma não há cirurgia para ninguém! 

Até já!!!