sábado, 4 de março de 2017

Cabelos leva-os o vento…

Uma das características mais marcantes da pessoa com cancro será a falta de cabelo associada ao processo de quimioterapia.

Quem me conhece sabe que nunca fui muito apegada ao meu cabelo. Tanto o tenho comprido como me dá na gana e o corto bem curtinho (as opções de cores mais alternativas felizmente foram uma fase que já passou! 😏).

Assim, a perda de cabelo nunca foi causa de angústia durante todo este processo e rapidamente me habituei aos diferentes looks ao longo do processo (uns mais simpáticos que outros).



Fase I - Look Rapunzel

Foi aqui que tudo começou. Tinha o cabelo bem comprido quando recebi o diagnóstico.
“Ah, então gostas de ter o cabelo comprido!!”. Errado! Tinha cabelo comprido porque sou uma preguiçosa e detesto ir ao cabeleireiro e por isso já devia haver pelo menos 1 ano que o meu cabelo não via uma tesoura. Porém acho que o cabelo comprido só dá é trabalho. Já terminei a busca pelo príncipe encantado por isso as longas tranças apenas dariam jeito para aqueles dias em que ele se esquece das chaves em casa.
Cerca de uma semana e meia após receber o diagnóstico e a programação dos tratamento tratei logo do assunto. Achei que não era preciso ser já radical e rapar a cabeleira, mas pedi à cabeleireira que me desse uma bela tesourada (no cabelo, veja-se!). Expliquei-lhe o porquê e foi aí que percebi pela primeira vez que as pessoas ficavam atrapalhadas e não estavam preparadas para ouvir alguém falar sobre si e pronunciar abertamente a palavra cancro.



Fase II – Look G.I. Jane

Duas semanas após o primeiro tratamento com EC percebi que vinha aí algo de novo. Pela noite, ao deitar a cabeça na almofada começou a doer-me algo que nunca me havia doido antes (e tantas vezes usei em tom de brincadeira a expressão “até me dói o cabelo”). Ao mexer a cabeça na almofada sentia todos os meus folículos capilares em sofrimento. E foi certinho que no dia seguinte comecei a ficar com madeixas de cabelo na mão de cada vez que lhe mexia. Já para não falar da quantidade de cabelo que ficou na banheira que seria suficiente para construir meia dúzia de obras primas da Joana Vasconcelos.
Era o sinal de que estava no momento de rapar o cabelo. Não que isso fosse impedir que caísse mas por achar ser menos penoso ter uma imagem menos marcada da sua queda (já para não falar do cabelo espalhado por todos os recantos da casa). 
Nessa tarde fizemos a festa do “vamos rapar o cabelo à mamã!”. Invertemos papéis e desta vez foi o marido que tratou de me dar um look digno de uma G.I. Jane que vai enfrentar a sua recruta. A filhota assistiu a tudo entre o apreensiva e o divertida (só não achou piada quando brincámos que a seguir seria ela e cortar os caracóis!). No fim ainda tive direito a uma festinha na cabeça e um “a mamã está munita 💕”.



Fase III – Look “tentei cortar o cabelo às escuras”

E assim lá foi caindo o meu cabelinho. Arrisco-me a dizer que desde que o meu defunto gatinho se foi que não havia tanta pilosidade pelo chão e pelos sofás.
E claro que, sendo meu, o cabelo não poderia cair de forma ordeira e arrumada. Começaram por cair tufos aqui e ali originando peladas desordenadas e culminando naquela que baptizei como a crista de punk em negativo (ou seja, uma linda faixa central completamente desprovida de cabelo, ladeada pelos cabelos mais resistentes que se foram aguentando à bronca).
Quando na junta médica para atribuição de atestado multiusos o médico de ar monocromático me perguntou, no automatismo da 1000000ª pessoa que vê naquele dia, se eu já estava a fazer quimioterapia respondi verbalmente com um simples “sim” mas na minha cabeça ressoou um “não, eu é que gosto de todas as manhã colocar uma venda e tentar rapar a cabeça a mim própria!”.



Fase IV – Look Humpty Dumpty

E chegou a um ponto em que a coisa esteticamente já estava esquisita demais (até para mim!). Um tufinho de cabelo aqui e ali (tufinho assim a dar para o tufão que, se eu já desconfiava, este processo veio confirmar que tenho cabelo para dar e vender).
E quando achei que já mais me parecia com um cão com sarna, lá veio a gillete dar uma mãozinha para a coisa ficar mais composta. Ganhei o vício de passar a mão pela cabeça pois até gostava da sensação de sentir o couro cabeludo macio (cá por casa havia mais alguém com esse hábito mas só por achar que me parecia com um pequeno Buda e, pelo sim pelo não, mais valia esfregar a careca não fosse dar sorte!).




Fase V – Look tartaruga

Até acabar a primeira fase de tratamento mantive as sobrancelhas e pestanas na quase totalidade o que, parecendo que não, é uma enorme mais valia no aspecto geral da coisa.
Já o Paclitaxel foi implacável para com estes pelinhos! A falta de pestanas deu logo origem a uma conjuntivite (confirma-se, elas estão cá para alguma coisa!). E só quando ficamos sem sobrancelhas é que percebemos quanta falta nos fazem para dar expressão ao rosto. 
Vantagem: agora posso maquilhar as sobrancelhas como me apetecer e passar o dia todo com um ar espantado, zangado ou apreensivo!



Fase VI – Look passarinho que caiu do ninho


E chegamos à fase em que a coisa se encontra. Apesar de sem sobrancelhas e pestanas parece que o cabelo decidiu insurgir-se e começar a crescer como se não houvesse amanhã. Claro que ao ritmo de um cabelo que continua a ser bombardeado com químicos pouco amigos que o querem destruir (e vá, chamar-lhe cabelo talvez não seja assim o mais correcto…). Numa versão mais realista seria: “começou a nascer-me uma penugem pela cabeça e olhando assim ao longe quase que parece que já tenho cabelo!). 
Mas se a coisa continua a este ritmo vou de rabo de cavalo para a cirurgia, ai vou vou!

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