Uma das
características mais marcantes da pessoa com cancro será a falta de cabelo
associada ao processo de quimioterapia.
Quem me
conhece sabe que nunca fui muito apegada ao meu cabelo. Tanto o tenho comprido
como me dá na gana e o corto bem curtinho (as opções de cores mais alternativas
felizmente foram uma fase que já passou! 😏).
Assim, a
perda de cabelo nunca foi causa de angústia durante todo este processo e
rapidamente me habituei aos diferentes looks ao longo do processo (uns mais simpáticos que outros).
Fase I - Look
Rapunzel
Foi aqui que
tudo começou. Tinha o cabelo bem comprido quando recebi o diagnóstico.
“Ah, então
gostas de ter o cabelo comprido!!”. Errado! Tinha cabelo comprido porque sou uma
preguiçosa e detesto ir ao cabeleireiro e por isso já devia haver pelo menos 1
ano que o meu cabelo não via uma tesoura. Porém acho que o cabelo comprido só
dá é trabalho. Já terminei a busca pelo príncipe encantado por isso as longas
tranças apenas dariam jeito para aqueles dias em que ele se esquece das chaves
em casa.
Cerca de uma semana e meia após receber o diagnóstico e a programação dos tratamento tratei
logo do assunto. Achei que não era preciso ser já radical e rapar a cabeleira,
mas pedi à cabeleireira que me desse uma bela tesourada (no cabelo, veja-se!). Expliquei-lhe
o porquê e foi aí que percebi pela primeira vez que as pessoas ficavam
atrapalhadas e não estavam preparadas para ouvir alguém falar sobre si e
pronunciar abertamente a palavra cancro.
Fase II –
Look G.I. Jane
Duas semanas
após o primeiro tratamento com EC percebi que vinha aí algo de novo. Pela
noite, ao deitar a cabeça na almofada começou a doer-me algo que nunca me havia
doido antes (e tantas vezes usei em tom de brincadeira a expressão “até me dói
o cabelo”). Ao mexer a cabeça na almofada sentia todos os meus folículos
capilares em sofrimento. E foi certinho que no dia seguinte comecei a ficar com
madeixas de cabelo na mão de cada vez que lhe mexia. Já para não falar da quantidade
de cabelo que ficou na banheira que seria suficiente para construir meia dúzia
de obras primas da Joana Vasconcelos.
Era o sinal
de que estava no momento de rapar o cabelo. Não que isso fosse impedir que
caísse mas por achar ser menos penoso ter uma imagem menos marcada da sua
queda (já para não falar do cabelo espalhado por todos os recantos da casa).
Nessa
tarde fizemos a festa do “vamos rapar o cabelo à mamã!”. Invertemos papéis e
desta vez foi o marido que tratou de me dar um look digno de uma G.I. Jane que
vai enfrentar a sua recruta. A filhota assistiu a tudo entre o apreensiva e o
divertida (só não achou piada quando brincámos que a seguir seria ela e cortar
os caracóis!). No fim ainda tive direito a uma festinha na cabeça e um “a mamã
está munita 💕”.
Fase III –
Look “tentei cortar o cabelo às escuras”
E assim lá
foi caindo o meu cabelinho. Arrisco-me a dizer que desde que o meu defunto
gatinho se foi que não havia tanta pilosidade pelo chão e pelos sofás.
E claro que,
sendo meu, o cabelo não poderia cair de forma ordeira e arrumada. Começaram por
cair tufos aqui e ali originando peladas desordenadas e culminando naquela que
baptizei como a crista de punk em negativo (ou seja, uma linda faixa central
completamente desprovida de cabelo, ladeada pelos cabelos mais resistentes que
se foram aguentando à bronca).
Quando na
junta médica para atribuição de atestado multiusos o médico de ar monocromático
me perguntou, no automatismo da 1000000ª pessoa que vê naquele dia, se eu já
estava a fazer quimioterapia respondi verbalmente com um simples “sim” mas na
minha cabeça ressoou um “não, eu é que gosto de todas as manhã colocar uma
venda e tentar rapar a cabeça a mim própria!”.
E chegou a um
ponto em que a coisa esteticamente já estava esquisita demais (até para mim!).
Um tufinho de cabelo aqui e ali (tufinho assim a dar para o tufão que, se eu já
desconfiava, este processo veio confirmar que tenho cabelo para dar e vender).
E quando
achei que já mais me parecia com um cão com sarna, lá veio a gillete dar uma
mãozinha para a coisa ficar mais composta. Ganhei o vício de passar a mão pela
cabeça pois até gostava da sensação de sentir o couro cabeludo macio (cá por
casa havia mais alguém com esse hábito mas só por achar que me parecia com um
pequeno Buda e, pelo sim pelo não, mais valia esfregar a careca não fosse dar
sorte!).
Fase V – Look
tartaruga
Até acabar a
primeira fase de tratamento mantive as sobrancelhas e pestanas na quase
totalidade o que, parecendo que não, é uma enorme mais valia no aspecto geral
da coisa.
Já o
Paclitaxel foi implacável para com estes pelinhos! A falta de pestanas deu logo origem a uma conjuntivite (confirma-se, elas estão cá para alguma coisa!). E só quando ficamos sem
sobrancelhas é que percebemos quanta falta nos fazem para dar expressão ao
rosto.
Vantagem: agora posso maquilhar as sobrancelhas como me apetecer e
passar o dia todo com um ar espantado, zangado ou apreensivo!
Fase VI –
Look passarinho que caiu do ninho
E chegamos à
fase em que a coisa se encontra. Apesar de sem sobrancelhas e pestanas parece
que o cabelo decidiu insurgir-se e começar a crescer como se não houvesse
amanhã. Claro que ao ritmo de um cabelo que continua a ser bombardeado com
químicos pouco amigos que o querem destruir (e vá, chamar-lhe cabelo talvez não seja
assim o mais correcto…). Numa versão mais realista seria: “começou a nascer-me
uma penugem pela cabeça e olhando assim ao longe quase que parece que já tenho
cabelo!).
Mas se a coisa continua a este ritmo vou de rabo de cavalo para a
cirurgia, ai vou vou!
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