quinta-feira, 16 de março de 2017

O cancro é um lugar estranho...

A partir daquele momento em que descobrimos que temos cancro o mundo torna-se um lugar diferente. Tornamo-nos alguém diferente.

Alguns dizem que é um renascer. Nascemos de novo como alguém que não conhecíamos antes da doença.

Diria que no meu caso ainda não renasci e sou apenas um embrião em amadurecimento. Não percebi ainda quem será o meu novo eu. Serei mais forte ou mais fraca, invencível ou vulnerável, mais inconsequente ou mais medrosa (mais chata é que não serei que já estou no top do mau feitio e com o cancro perdi o pouco “filtro” que ainda me restava! 😉 )

Por enquanto neste embrião reina a confusão. Se a maioria das vezes me sinto cheia de força para dar cabo do “bicho” (burn motherfucker, burn) outros momentos há em que o medo leva a dele avante. 

Medo de quê? Medo de que o cancro seja mais esperto e tenha encontrado um cantinho onde se esconder, esperando que a quimioterapia acabe para poder voltar ao ataque. Medo de que não tenha tempo para fazer tudo aquilo que ainda tenho por fazer. Medo de não ver a minha filha crescer. Medo. 

Mas já dizia o outro: "Puto, o medo é uma cena que a mim não me assiste!". É nestes momentos que me foco no presente e naquilo que tenho de tão bom! A família, o marido (com quem partilho gargalhadas durante os tratamentos de quimioterapia), uma filha fantástica, linda, saudável e bem disposta, amigos cinco estrelas e até um porquinho da índia que juro que é o mais giro e inteligente que alguma vez já foi visto!

E tudo aquilo que tive o privilégio de já ter vivido! Sobrevivi a viagens no deserto em dromedários cheios de pulgas, acampamentos selvagens à beira do glaciar, comidas que até hoje desconheço a composição (a ignorância é uma bênção!), degustadas em locais que tinham mais baratas que clientes, ratazanas como companheiras de quarto e tubarões como companheiros de mergulhos… tanto que contar! Não vai ser o sr cancro que me vem agora fazer mossa!


Até agora este embrião aprendeu que o segredo é gozar cada momento. Aquilo que vejo a minha filha fazer na inocência própria da idade em que o mundo é todo ele uma novidade. Saltar nas poças, dançar sem razão nem local, desfrutar de cada momento. Não por ter medo que seja o último, mas por saber que é único!

E acima de tudo manter sempre um sorriso! Ouvi dizer que o cancro não gosta de gargalhadas. 

A vida é feita de pequenos nadas
Que agente saboreia, mas não dá valor
Um pensamento, uma palavra, uma risada
Uma noite enluarada ou um sol a se pôr
Um bom dia, um boa tarde, um por favor
Simpatia é quase amor
Uma luz acendendo, uma barriga crescendo
Uma criança nascendo, obrigado senhor
Seja lá quem for o senhor
Seja lá quem for a senhora
A quem quiser me ouvir e a mim mesmo
Eu preciso dizer tudo o que eu estou dizendo agora
Preciso acreditar na comunicação
Não há melhor antídoto pra solidão
E é por isso que eu não fico satisfeito em sentir o que eu sinto
Se o que sinto fica só no meu peito
Por mais que eu seja egoísta
Aprendi a dividir minhas derrotas e minhas conquistas
Nada disso me pertence
É tudo temporário no tapete voador do calendário
Já que temos forças pra somar e dividir
Enquanto estivermos aqui
Se me ouvires cantando, canta comigo
Se me vires chorando, sorri


Tás a ver, Gabriel o Pensador





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