sexta-feira, 21 de julho de 2017

O atestado de incapacidade multiusos e outros delírios

Agora que descobri e resolvi o segundo cancro está na altura de ir pedir uma reavaliação do meu grau de incapacidade.

Perante um diagnóstico de cancro o doente deve fazer o pedido de avaliação de incapacidade para emissão de um atestado médico de incapacidade multiuso. No caso da incapacidade atribuída ser igual ou superior a 60%, o seu portador terá direito a alguns benefícios (como a isenção de taxas moderadoras, isenção de pagamento de IUC e benefícios na aquisição de viaturas novas e em crédito habitação, benefícios fiscais em sede de IRS, prioridade no atendimento…).

Para obter este atestado devemos dirigir-nos ao centro de saúde da nossa área de residência, levando de preferência cópias de todos os exames médicos que comprovem o diagnóstico e um relatório do nosso médico assistente. Depois é só aguardar que nos chamem para comparecer a junta médica, que irá atribuir um grau de incapacidade de acordo com os relatórios médicos apresentados (que devem ser novamente levados pelo doente no dia da avaliação).

Eu, como gosto de dar nomes a tudo, apelidei esta junta como “O reino das pessoas cinzentas”.

Quando fui convocada para a primeira junta, após uma hora e meia de espera, entrei finalmente numa sala onde quatro médicos se dispunham em fila, atrás de uma secretária também ela com um ar desgastado. Atrás de si sentavam-se quatro jovens que presumo estariam em treino para ser os sucessores nesta carreira emocionante (tive vontade de lhes sussurrar entre dentes: fujam, há todo um mundo colorido lá fora!!!".

Não posso de todo dizer que foram antipáticos comigo. Foram apenas… cinzentos. Como qualquer pessoa que passa o dia a fazer sessões de cinco minutos (sim, porque a espera é longa, mas o tempo em que efectivamente estamos a ser avaliados é bem curto), uma após a outra, a atribuir percentagens de incapacidade à tabela, consoante a doença apresentada.

Carcinoma da mama? Ok, pela tabela é 60%. Escreve o papel, assina, passa para cá €25 (eu ainda paguei €50 mas felizmente houve entretanto uma redução da taxa) e vai lá à tua vida.

E será necessário que estes senhores doutores passem os seus dias neste mundo cinzento? Eu cá acho que não! Já que isto funciona por sistema de pontuações, podíamos implementar umas medidas para tornar a coisa mais animada.

Por exemplo, podiam fazer uma coisa em moldes festival da Eurovisão (mas do festival da década de 80/90, quando o festival era o festival na sua verdadeira essência!). Vestíamos todos umas roupinhas giras com muita lantejoula e muito brilho. Faziam-se umas equipas mistas com médicos espanhóis, só para dar aquele toque internacional e, na hora de atribuir pontuações, cada médico teria a palavra.

 “Ora agora vamos receber a pontuação do Dr. João de Portugal. Carcinoma da mama: twelve points; douze points; doze pontos. Ausência de metástases: zero points, zéro point, zero pontos. Segundo carcinoma na tiróide: five points, cinq points, cinco pontos.” 

 E assim sucessivamente. No fim podia haver confettis coloridos e uma pessoa sempre saía dali mais convencida que a fortuna que pagou sempre tinha servido para alguma coisa.

Se quisessem uma coisa mais low profile e menos festivaleira, podiam ir para um registo mais ao género dos jogos olímpicos em que cada médico teria umas placas com pontuações e o atestado seria entregue ao doente num pódio, juntamente com uma medalhita de participação. Há todo um mundo de hipóteses, bastava perguntarem-me!

Tenho tantas ideias e tão boas que acho que vou apresentar esta proposta ao SNS e para a próxima junta de avaliação, pelo sim pelo não, levo confettis!




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