quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Virar a página...


Era tão bom que o fim dos tratamentos fosse o mesmo que terminar um livro. Viramos a última página, lemos as últimas palavras. Fechamos o livro, guardamos na prateleira e começamos um livro novo. 


Na mente ficam apenas as memórias (por vezes um pouco toldadas pelo tempo) daquela história que se leu. Por vezes fica até uma vontade de a voltar a ler. Que bom era que esta história também fosse assim.

Só esta semana arranquei do espelho da casa de banho as instruções sobre a medicação a tomar durante a quimioterapia. Quimioterapia que terminou há já mais de seis meses. 

Curiosamente retirar aquele papel do espelho não me deu um gozo especial. Durante todos estes meses ali esteve sem utilidade alguma, mas sem que eu sentisse alguma urgência em tira-lo dali. Sem que a sua viagem até ao lixo me desse o conforto de que esta história ficasse arrumada no passado. 

Talvez porque sinto no meu íntimo que o cancro nunca vai ser conjugado no passado. Sei que o cancro será sempre palavra presente e que o meu coração irá saltar do peito ao mínimo sinal de alarme. 

Será sempre presente pelo medo que ele volte sem ser convidado (já da primeira não o foi e teve a lata de trazer um amigo! O gajo é atrevido e não se lhe pode dar a mão que ele quer logo o braço). 

Será sempre presente porque infelizmente o cancro de mama às vezes gosta de voltar. Às vezes gosta de fintar as estatísticas. E que chatice é não podermos escolher em que grupo das estatísticas queremos ficar. 

Será sempre presente pelas dores no corpo que teimam em piorar a cada mês que passa. 

Sempre presente pela menopausa mais que precoce que faz com que tanto ande a saltar de alegria como de fúria por razão que a própria razão desconhece. 

Sempre presente pelas marcas que deixou eternizadas no corpo e na alma.

Para quem assiste ao cancro do outro lado do espelho este é um estado difícil de entender. A imortalidade do cancro não me impede de sorrir, brincar e ser feliz. Porém, a vontade de sorrir, brincar e ser feliz não me impede de ter medo.

Sei que conjugarei para sempre o cancro no presente, mesmo que ele fique para sempre no passado. Nas entrelinhas vou escrevendo, capítulo a capítulo, uma história cheia de sorrisos e momentos felizes.


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