segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O primeiro dia do resto de uma outra vida

30 Setembro 2016

Já haviam passado três semanas desde a ecografia. Já havia feito a biópsia e deveria aguardar que me ligassem pois seria o médico a dar-me o resultado pessoalmente (Hmmmm, não me cheira nada bem…). Mas são os procedimento informam as senhoras da recepção (que aqui que ninguém nos ouve deviam muito pouco à eficiência e à simpatia).

Ah, e tendo em conta que o médico trabalha em várias clínicas, esta apenas é contemplada pela sua presença uma vez por semana. Assim sendo, poderia ocorrer uma semana extra de espera entre o médico elaborar o relatório dos exames e me ser transmitido o resultado. Uma semana. Sete dias. O tempo é relativo, e do lado em que eu estava uma semana era a eternidade e mais uns dias. Lá dentro algo continuava a repetir: “Não vai ser nada. Só um susto...” .

Não aguentei esperar mais. Decidi que naquele dia me iam entregar os relatórios de exame, estando ou não o médico presente. A recusa não seria uma opção pois todo o paciente tem direito a ter acesso ao seu processo clínico. Muitas vezes os médicos preferem ser intermediários activos neste processo  pois a dificuldade na interpretação da terminologia médica usada poderá levar à confusão do paciente e a estados de ansiedade desnecessários. Para além disso querem garantir que seja dada a continuidade necessária ao processo. Porém sabia que comigo isso não ia acontecer e queria saber de uma vez por todas o que se passava. Ver os resultados, soltar um sorriso de alívio de beber um copito de vinho tinto para comemorar (Só um susto, já passou...).

O meu marido foi ter comigo para que abrissemos juntos o esperado veredicto. Cedi à ansiedade e saímos do consultório transportando na minha mão o envelope fechado que continha o relatório que eu ainda não sabia que iria ter o maior impacto que algum relatório teve na minha vida.

Sentámo-nos para almoçar. Pedi um bacalhau com natas. Há já algum tempo que me andava a apetecer. 

Enquanto esperávamos pelo almoço decidimos que era altura de abrir o envelope. Na minha cabeça continuava a repetir  “Não vai ser nada. Só um susto...” mas a cada momento que passava estava menos convicta destas palavras.  

Abri o envelope. Desprezei os relatórios da ecografia e ressonância magnética e “ataquei” sem pensar duas vezes em direcção ao relatório da biópsia. Era naquele pequeno envelope que estava a resposta à dúvida que há quase um mês martelava na minha cabeça. E ao abri-lo os olhos fixaram-se de imediato naquela palavra que tanto temia encontrar mas que no fundo já esperava que lá estivesse: CARCINOMA.

Chorei. Compulsivamente, sem sequer me lembrar nem ter a preocupação de estar em público. O tão desejado bacalhau ficou quase inteiro no prato.


Até hoje os senhores do restaurante devem andar às voltas com a receita do bacalhau com natas que deixou uma cliente a chorar! 😀




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