quinta-feira, 28 de setembro de 2017

As crianças são o melhor do mundo.

E claro que, ignorando a total ausência de imparcialidade na minha opinião, lá por casa temos uma criança que consegue superar o melhor que há no mundo. 😊

Para ela este foi um ano normal. Não aconteceu nada demais. Nada que mereça especial preocupação.

Houve um dia em que a mãe e o pai trocaram de papéis e foi o pai que cortou o cabelo à mãe. Ficou bem curtinho. Fizemos uma grande festa e passado umas horas apenas olhou para mim, fez-me uma festinha na cabeça e disse com a sinceridade que só uma criança sabe ter: "Mamã, estás munita!" 

Uma cabeça careca desperta um fascínio e um impulso para festinhas. Quantas vezes vimos o Frozen aconchegadas no sofá enquanto ela me esfregava a carequita em estado de quase hipnose. Também um ou outro amiguinho na escola, daqueles mais afoitos, volta e meia vinha discretamente passar a mão na minha careca. Só para ver como era.

A careca também nunca foi empecilho para as brincadeiras em frente ao toucador piroso de princesa. Sempre tive direito a tratamento completo. Escovagem (aiiii, e o que dói uma escova de princesa a passar pelo couro cabeludo despido), secagem e ganchos (que na ausência de cabelo para prender eram empilhados com perícia no topo da minha cabeça).

Com as operações o dói dói tornou-se algo mais visível. As cicatrizes eram alvo de inspecção diária. Não por preocupação sobre o seu estado mas só para confirmar que não estava a aldrabar quando lhe dizia que não a podia carregar ao colo. Agora é a minha maior ajudante e todas as noites me lembra que tenho que pôr creme nas maminhas e comer o comprimido.

Esta semana íamos na rua quando passámos por um cão que envergava um colar Isabelino (vulgarmente conhecido como abat-jour ou funil). Sendo uma novidade para ela perguntou-me: "O que é aquilo que o cãozinho tem na cabeça?". Expliquei "O cão tem um dói dói e tem que usar aquele funil para ficar bom. Para não ir coçar nem lamber a ferida".

Os olhinhos dela brilharam. Apontou para a minha cicatriz da tiroidectomia e exclamou com o entusiasmo de quem partilha uma ideia brilhante: "Boa mãe! Tu também podes usar um!! Por causa do teu dói dói!!"

Minha rica filha! Obrigada por mais uma vez me fazeres rir e seres a minha fonte inesgotável de boa energia. Mas como o seguro morreu de velho, pelo sim pelo não vou dando uma vista de olhos pelos lares de idosos da zona. É que com esta cabecita brilhante ainda acabo a velhice no hotel canino com direito a ração e tosquias semanais. 


(Imagem: Disney/Pixar)

😬

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Memórias

O Facebook adora memórias. Hoje mais uma vez decidiu mostrar-me o que andava eu a fazer há exactamente um ano atrás.

Há exactamente um ano atrás tinha voltado às pistas. Parece profissional, não é? Não, não é! Significa apenas que, após um mais ou menos longo interregno, tinha voltado a ser capaz de terminar uma prova de 10 Km. Meio correndo, meio andando, meio me arrastando.

Há exactamente um ano atrás a palavra cancro ainda era apenas uma sombra que pairava sobre a minha cabeça. Só cinco dias depois tive a confirmação de que seria uma palavra que vinha para se instalar no meu vocabulário quotidiano.

Há exactamente um ano atrás completei aqueles 10 Km meio em jeito de promessa, como quem prova ao seu corpo que afinal está tudo bem. “Vês, tu não podes ter cancro! Então até és capaz de correr 10 Km. Corres devagarinho, eu sei, mas se tivesses cancro não eras capaz.”.

Há exactamente um ano atrás prometi, a cada Km que passava, que não ia desistir. Cheguei à meta com a sensação de dever cumprido e recebi com orgulho a minha medalha.

Hoje, exactamente um ano depois, por coincidência ou não, foi dia de atravessar de novo a meta. Hoje foi dia da derradeira “consulta de fim de tratamento”.

Hoje, exactamente um ano depois, atravessei esta meta com um misto de orgulho e receio. “Agora vamos soltá-la devagarinho”, explicou o médico. Começa a ser vista de 3 em 3 meses, depois de 6 em 6 e quando der por isso só tem que cá vir uma vez por ano.

Boa!!! Boa??? Se por um lado é com orgulho e alívio que oiço que chegou ao fim, que fui capaz de lutar contra a vontade de desistir a cada novo tratamento, que apesar das mazelas que ainda se sentem (e vão sentir por algum tempo) o pior já passou, por outro lado é assustador sentir-me a ficar sem rede.

Hoje, exactamente um ano depois, é tempo de arrumar a cabeça. Tempo de fazer a trouxa e seguir em frente. E apesar de saber que a palavra cancro se instalou para sempre, que veio para ficar, de hoje em diante conto que existam breves momentos em que consiga esquecer-me dela. Nem que seja na próxima vez em que me aventure e regresse às pistas. E se se cruzarem comigo acompanhem-me até à meta, mesmo que vos apeteça desistir a cada Km.


quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Hoje é dia da gratidão

Dizem os doutos amigos das manhãs da comercial que hoje é o dia da gratidão.
Tem sido um ano manhoso...37 anos, dois cancros, cinco meses de quimioterapia, duas cirurgias, 25 sessões de solário (oops, radioterapia), injecções com a seringa das farturas e comprimidos para me tornar uma mulher ressequida e amarga no auge da minha menopausa.
O que há a agradecer? TANTO!!!
Grata!
Grata por me ter cruzado com tantos excelentes profissionais que se dedicaram a livrar-me do mal (sem Amém) e a fazer com que esta caminhada interminável fosse o menos dura possível , dentro da sua dureza inerente. Por me ter aguentado à bronca e ter tido a capacidade de me manter firme. Por não ter perdido a capacidade de rir disto tudo.
Grata!
Por um marido que esteve e está sempre ao meu lado. Que me fez rir à gargalhada durante as sessões de quimioterapia. Que me comprou o último livro de "Uma Aventura" quando me queixei da inaptidão dos meus neurónios em concentrarem-se na leitura.
Por uma filha que, entre birras, é a melhor do mundo. Que sempre me disse que eu estava linda e que gostava de fazer festinhas na minha careca. Que no auge dos seus três anos todas as noites me vem trazer a embalagem de Biafine e me diz em tom de aviso: "mamã, ainda não puseste o "cremo" nas maminhas" 😍
Grata!
Pelos amigos que estiveram sempre cá. Que ajudaram a preparar festas de aniversário surpresa. Que trazem o almoço para estarmos juntos ou que convidam para uns programas com a criançada. Que cuidaram da minha filha como ninguém. Que passam horas ao telefone a contar-me o que acontece no mundo das pessoas sem cancro. As amigas que me acompanham em confidências em torno de um Mojito (ou três ou quatro.... mas é segredo!). Às novas amizades com quem o tempo de um café parece sempre pouco porque há tanto para conversar. Como se nos conhecêssemos uma vida toda.
Grata!
À senhora que me abordou para dizer que da minha careca podiam vir a sair caracóis (de cabelo, não o bicho. Isso era esquisito). Quis partilhar que foi o que lhe aconteceu quando ela teve cancro há muitos muitos anos. À senhora que ontem me espetou duas beijocas só porque a deixei levar os pacotes de açúcar do galão para a colecção da neta. Aos castiços do café do bairro que, no seu pouco jeito para se mostrarem preocupados, acabam sempre a contar histórias de quem não sobreviveu ao cancro (ai, menina..isso volta sempre. Não vê aquele da televisão e a outra que não me lembro o nome!). É mesmo só falta de jeito para verbalizar uma preocupação que sei ser verdadeira.
Grata!
A todos os outros. Àquelas pessoas desagradáveis. Aos que apitam no trânsito. Aos que resmungam por tudo e por nada. Grata por me fazerem ver que eu não quero ser assim. A vida é curta e há que sorrir-lhe!
E finalmente, para os senhores que comandam o universo, fica mais uma vez o recado. Eu agora ficava era mesmo grata por ter um bocadinho de descanso. Combinado?

(Imagem: Radio Comercial)


segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Quebrar a corrente e criar uma nova

💓

Não se assustem!! Não estou a entrar na onda das correntes de mensagens.
Normalmente quando estas correntes têm como destino a minha caixa de entrada são recebidas com um enorme silêncio e indiferença.
Porém, esta semana recebi mais que uma vez uma mensagem à qual não posso ficar indiferente. Nem tão pouco me chateou pois, apesar de incorrecta, é mais uma desculpa para que se fale no bicho papão: o cancro.
Este mês é o mês de sensibilização do cancro ginecológico, cancro do ovário e cancro infantil. O mês de sensibilização para o cancro de mama será apenas em Outubro, temos tempo.
O cancro da mama, por ser mais comum, por estar mais vezes presente à nossa volta, acaba por se tornar o protagonista desta grande família de vilões de seu nome cancro.
Mas importante importante é que se fale de CANCRO. Que se alerte para a importância do rastreio precoce e de não andar a adiar aqueles exames que nos podem salvar a vida (talvez se os tivesse adiado não estivesse aqui a contar a minha história).
Conhecer e estar alerta aos sinais de alarme. E falamos em mama, ovários, vagina e útero, próstata, cólon, estômago e todas a miudezas que vivem dentro do nosso corpinho, ok? (Vá, as meninas podem relaxar no que diz respeito à próstata).
E aqui vai mais um coração para vos incentivar a ligar para o médico e marcar os vossos exames. 💓

(Imagem: Choose Hope)

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Alimentação e suplementos durante os tratamentos

Ao longo do caminho fui percebendo que muita gente desconhecia que durante o tratamento não devemos tomar NADA sem autorização do médico assistente.
E por nada entenda-se mesmo nada! A ausência de seja o que for, seja natural sintético ou assim assim (e pronto, o momento em que uso citações dos Malucos do Riso marca o bater no fundo!).
Principalmente quando falamos em produtos e suplementos naturais há sempre um sentimento de que são inócuos e "mal não hão de fazer". Porém, estes suplementos e alguns alimentos consumidos em excesso podem prejudicar o efeito dos tratamentos, diminuindo a sua eficácia.
E ninguém quer andar a meter químicos para a veia ou andar no solário do Homem Radioactivo, levar com os efeitos secundários todos (começando na carequice, passando pelos vómitos, cansaço, dores e algum grau de senilidade que espero que seja reversivel 😜) para no fim a coisa não resultar tão eficazmente como devia.
A sapo lifestyle, com auxílio de André Dourado (naturopata do centro Mama Help) e Maria João Cardoso (cirurgiã da Fundação Champalimaud e presidente do centro Mama Help) elaborou este artigo contendo informação muito útil sobre este tema para quem está ou vai fazer tratamentos de quimioterapia e radioterapia.

Podem ler o artigo completo AQUI.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Aos enfermeiros.

Aqueles que nos seguem sempre de perto. Que sabem o nosso nome, o dos nossos filhos e a nossa comida preferida.
Aqueles que têm sempre disponibilidade para rir connosco e também para nos ver chorar. Para ouvir as nossas histórias e as dos outros 30 pacientes a quem prestaram cuidados nesse dia.
Que mesmo cansados (porque é impossível que não estejam) ainda têm ouvidos para as histórias das gracinhas da nossa filha e de como continua a não querer dormir e ombros disponíveis para ouvir o quão esgotadas estamos de todos estes tratamentos.
Porque os enfermeiros foram sem dúvida um dos pilares que contribuiu para que me mantivesse firme durante todo este processo.
Porque temos sempre um sorriso rasgado para a troca quando nos encontramos (mesmo que seja no hospital de dia, com o cheiro nauseabundo da quimioterapia como fundo, e prestes a levar mais uma "injecção do demo").
Obrigada a todos os enfermeiros que se cruzaram no meu caminho. O vosso trabalho merece todo o reconhecimento.