O meu
tratamento de quimioterapia começou por 4 sessões da simpática conjugação
Epirrubicina-Ciclofosfamida (EC para os amigos).
A Epirrubicina é comumente utilizada como
tratamento no cancro de mama invasivo, especialmente quando já existem nódulos
linfáticos afectados. Pertence ao grupo das antraciclinas (antibióticos
produzidos por bactérias do género Streptomyces) e o seu modo de acção não é ainda
totalmente compreendido. Sabe-se porém que este grupo de moléculas tem a capacidade
de se ligar ao DNA, impedindo que as células concretizem a divisão celular.
Assim sendo,
a epirrubicina vai impedir o tumor de crescer e de se espalhar para outros
locais do organismo por um lado travando a divisão desenfreada que caracteriza as
células cancerígenas e por outro induzindo a sua morte.
A
epirrubicina caracteriza-se por uma cor alaranjada (a única parte gira da coisa é que ficamos
a fazer xixi laranja fluorescente durante uns dois dias!) e em muitos sítios referem-se
a ela como a quimioterapia vermelha.
A
ciclofosfamida é usada frequentemente em combinação com a epirrubicina em
tumores da mama com tendência a formar metástases. Tal como a epirrubucina a
ciclofosfamida tem a capacidade de se ligar ao DNA das células, impedindo a
cópia do DNA e a formação de novas proteínas e consequentemente, impedindo a
divisão celular. Umas das diferenças entre estes agentes é a especificidade ou
não para actuar em determinada fase da vida da célula. Enquanto a epirrubicina não
tem uma fase específica do ciclo celular
para actuar (tanto tem acção quando as células estão em repouso e não se
dividem mas também quando estão já em processo de divisão), a ciclofosfamida é
mais específica e actua apenas enquanto as células estão na fase de repouso.
Tendo em
conta que “a quimioterapia mata boas e más células, semelhantemente a uma bomba
numa guerra” (citando a Dra Fátima
Cardoso em entrevista para o site Executiva), podemos também compreender porque é
que estes citotóxicos provocam tantos efeitos secundários.
Estes agentes vão
travar o crescimento e divisão de todas as células do organismo. Vão porém ter um
maior efeito nas células que se multiplicam mais rapidamente. As células
cancerígenas pagam pela sua gula e, ao consumirem mais rapidamente o que entra
no nosso organismo, de modo a sustentar a sua divisão desenfreada, também
sofrem mais com os efeitos dos químicos citotóxicos. Mas temos também no nosso
organismo células saudáveis que necessitam de renovar-se e multiplicar com
maior frequência, como é o caso das células dos folículos capilares, das células
sanguíneas (principalmente quando na formação de novas células pela medula
óssea) e das células da pele e das mucosas do sistema digestivo. São então estas
as células saudáveis que mais vão ser afectadas pela quimioterapia. Os efeitos
secundários mais comuns são as náuseas (porque o nosso corpo está a tentar
rejeitar o agente nocivo que de repente apareceu), queda de cabelo, a depressão
do sistema imunitário caracterizada pela diminuição de glóbulos brancos, a
maior tendência para sangramento derivada da diminuição de plaquetas
sanguíneas, a anemia devido a uma diminuição de glóbulos vermelhos, a agressão das
mucosas da boca (mucosite) e do sistema digestivo, a sensibilidade da pele e as
unhas negras e quebradiças.
Segundo as
informações dadas pelas enfermeiras que me acompanham esta primeira fase da quimioterapia
com EC seria a mais “dura” no que diz respeito a efeitos secundários (mais
desenvolvimentos no próximo capítulo). Cada sessão teve um intervalo de 3
semanas entre ciclos de modo a que o corpo conseguisse recuperar do impacto e
aguentasse mais uma dose.
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Ainda perguntei se não havia dos saquinho que diziam "Gin Tónico" mas não me deram escolha... |
Após a primeira
sessão saí de lá como se nada fosse. Fiz a medicação para as náuseas toda
certinha como me foi indicado (mesmo não tendo náuseas). No dia seguinte
continuava fresca que nem uma alface! “Boa, vou levar isto com uma perna às
costas!”, pensei eu. Ingenuidade de iniciante, claro!
Ao terceiro dia começaram
a aparecer as náuseas que foram piorando com o passar dos dias. Desapareceu a vontade
de comer, e até o cheiro das comida me deixava mal disposta. “Se for só isto cá
me aguento!”. Ingenuidade!
Ao fim de uma semana
começou a queda de cabelo, aquele que para mim foi o efeito secundário com
menor impacto (mas isso também ficará para um texto totalmente dedicado à
temática capilar). As unhas começaram também a mostrar sinais ficando mais
escuras (embora em mim este efeito não tenha sido muito marcado)
E passado duas
semanas é que a coisa começou a “doer”. Cansaço generalizado, dores no corpo
semelhantes às que temos quando temos um daqueles febrões (mas felizmente sem
nunca ter febre que seria indicação de alguma infecção oportunista) e
continuação das náuseas agora já acompanhadas de vómitos. Para ajudar veio a
obstipação daquelas mesmo à séria!
A mucosa da boca
começou a ficar uma lástima, cheia de aftas gigantes e dolorosas que me tiravam
a pouca vontade que ainda houvesse para comer alguma coisa. Para adicionar
alguma emoção à coisa também a mucosa do esófago ficou afectada. Algo tão puro
quanto a água provocava dores terríveis ao fazer o seu caminho da boca até ao
estômago. Para controlar a mucosite e esofagite salvou-me a dica das
enfermeiras de bochechar e beber um pouco de água com bicarbonato de sódio.
Comecei também a
sentir aquilo a que se chama o “cérebro ou névoa de quimioterapia”. A
capacidade de raciocínio ficou mais lenta, comecei e ter falhas de memória (daquelas
de me esquecer para onde vou e o que ia fazer) e alguns momentos de tontice
pura! A frase “explica-me como se eu fosse muito burra” passou a ter outro
sentido!
Quando estava a
sentir que estava a voltar ao normal: Pumbas, mais uma dose! O meu sistema
imunitário andou sempre “rés-vés Campo de Ourique”. Os níveis de neutrófilos andavam
baixos até ao último dia (a chamada neutropenia). Felizmente sempre recuperaram
mesmo a tempo de não falhar nenhum tratamento e safei-me à época alta das
gripes sem nenhum incidente relevante. Para ajudar à recuperação do sistema
imunitário a alimentação tem um papel importantíssimo, havendo alguns alimentos
(como os frutos vermelhos ou o açafrão das índias em conjugação com pimenta)
que dão um empurrãozinho. Mas o tema alimentação ficará também para outras
núpcias.
A cada ciclo os
efeitos secundários iam ficando mais fortes (tirando a esofagite que foi
controlada com medicação). Para a mucosite (aftas na boca) não houve
medicamento ou mezinha que desse cabo delas. Ao fim de duas semana de
tratamento já sabia que aí vinham em força (mesmo tendo o maior cuidado com a
higiene da boca e fazendo profilaxia com uma “poção” antifúngica que me deram
no hospital).
Fiquei também com um
olfacto digno do melhor cão pisteiro! O cheiro das coisas mudou. Algumas coisas
que até agora não tinham cheiro passaram a tê-lo (e de que maneira!). Um dos
mais fortes era o cheiro da sala onde faço quimioterapia. Só de pensar nele
ficava nauseada. Nem o meu marido nem as enfermeiras o sentiam. Quando acabei
este ciclo de tratamentos o cheiro sumiu-se como num passe de magia e a sala
passou a ter um cheiro inofensivo como antes.
E no último
tratamento tive finalmente direito ao pacote completo e concretizei as náuseas
com um belo vomitado!
Quando chegou ao fim
esta fase fiquei radiante por ter acabado. Finalmente ia começar a
quimioterapia “fácil”… Aiii, se a ingenuidade matasse!